Como choripán virou 'pão com mortadela' dos peronistas na eleição argentina

Entre a multidão, um cheiro inconfundível e uma fumaça característica: tratava-se de um churrasco em plena manifestação política de rua. O cheiro de chorizo (linguiça) na brasa esquentava os corações dos militantes que faziam fila para comprar o sanduíche enquanto aguardavam ansiosos os resultados das urnas.
Se não tem choripán, não é uma marcha peronista
Militante, durante a marcha


Relacionar pejorativamente o sanduíche de linguiça à esquerda argentina — tal como o pão com mortadela tende a ser "colado" à imagem da esquerda no Brasil — foi uma constante na eleição deste ano no país hermano. Mas esta polarização "gastropolítica" não é de hoje.

Juan Domingo Perón amava choripán
A figura mais importante do movimento peronista é o Coronel Juan Domingo Perón, que governou o país em três mandatos (1946 a 1952. 1952 a 1955 e 1973 a 1974). Embora ainda seja uma figura controversa, ele e sua esposa Eva Perón são ícones da história argentina e amados pelos peronistas.O historiador Esteban Ocampo contou em entrevista que o choripán era o prato preferido do Coronel Perón, constatação que está presente em diversas biografias sobre o político.Há uma história pitoresca que ele estava num hospital, no bairro de Belgrano, preso, antes de ser presidente, na década de 1940, e todos os dias comia choripán
Esteban Ocampo, historiador

Nem peronista e nem anti-peronista, o choripán é argentino
Apesar de haver indícios que o sanduíche surgiu na província de Córdoba, a mais anti-peronista da Argentina, a receita se popularizou por todo o país, principalmente, segundo Ocampo, em razão da praticidade e do baixo custo."O choripán é bem argentino, é nosso; está presente na prévia do nosso churrasco", considerou. De acordo com o historiador, o sentido negativo da relação da receita com o peronismo se contextualiza a partir do discurso de clientelismo político, no qual os opositores acusam a militância peronista de convencer as pessoas a irem às marchas para poderem comer choripán.
Mas o choripán é do povo e o peronismo se identifica com o que é popular, trabalhador. O sanduíche está em diversas marchas populares. Onde há choripán, há povo
Felipe Pigna, historiador
A polarização em torno do choripán é tão grande que, em abril de 2019, a deputada peronista Beatriz Mirkin disse na tribuna que "alguns partidos oferecem choripanes, outros dão hambúrguer do McDonald's", ironizando a diferença ideológica materializada na comida.
O cientista político argentino Marcos Novaro, no entanto, ressaltou que essa polarização é uma forma superficial de entender a importância e o rechaço ao choripán. Segundo ele, a receita ficou famosa em marchas populares e a recusa ao símbolo surgiu de classes sociais que não se identificavam com o peronismo, mas que isso não significa necessariamente que são pessoas ricas e que pertencem ao status quo.
"A recusa também vem de pessoas que sofrem os efeitos do empobrecimento causado pela crise econômica argentina, os mais de 40% de pobreza que vive o país, a desvalorização do peso", analisou.Ou seja, fatores reais que impactam a classe média e a classe média baixa, gerando um rechaço ao choripán como uma espécie de recusa ao populismo. É uma forma de se diferenciarem dos 'choripaneiros'
Marcos Novaro, cientista político
Livro aborda relação da comida de rua com o peronismo

O choripán é nacional e popular. Como o peronismo, é um sentimento
Sebastian Pandolfelli
Peronista ou não peronista, se você é um autêntico amante comida de rua e está na Argentina, vale a pena provar essa receita local, que ficou em primeiro lugar entre os cinco melhores sanduíches do mundo pelo The Taste Atlas, desbancando o hot dog de Chicago (2º) e o brasileiro (6º).
Deixe seu comentário